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Postado por NaNa Caê quinta-feira, 5 de agosto de 2010 08:23:00

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Dedico as próximas seqüências de “mini textos escrotos” apenas a mim, por ter suportado todos vocês. Não admiro esse adjetivo entre aspas, na verdade não gosto dele nem um pouco, e é por isso que se encaixa tão bem aqui, por que é precisamente isso que sinto pelo que escrevi.

Sabe quando você fica com ódio, mas tanto, que uma veia abaixo do seu olho estoura e então parece realmente que você está chorando sangue? É nesse momento que você descobre que não poderia deixar algumas desgraças passar em branco.

Sabe quando você chora muito e já não sabe diferenciar o que é lágrima de catarro e saliva? É nesse período que você precisa se mover, não metaforicamente ou de modo abstrato, “mova sua mente meu filho”, “evolua rapaz". Não, aprendizados assim servem perfeitamente apenas para burros e isso seguramente eu nunca fui.

Quando uma mãe pede para o filho resoluções ou pelo menos justificativas por tê-lo criado mal, soa como uma piada-pergunta desesperada das mais sem graças. Por que ele recebe na boca o certificado de animal, enrolado, amarrado em uma fitinha azul, como se fosse um diploma, “cachorro pessimamente domesticado.”

Mas o meu medo real é o de não poder frear, não com o ódio, por que eu não me importaria caso ele decidisse me acompanhar pelo resto da vida. O meu medo nasce das besteiras, não daquelas pequenas, balinhas e chicletes. Tenho receio de não poder parar entre os intervalos do trabalho, ir em casa por exemplo para cochilar.

Eu necessito de pausas para não correr de mim, se os passos são longos e rápidos eu logo piso no cadarço e beijo o chão. Sempre tive pavor de lamber o asfalto, não pelo gosto, esse sabor conheço bem, e muitas vezes fingi para mim mesma que estava sentada, na mesa de algum restaurante, sorridente, comendo sushis, mas a língua na verdade tocava o piche, se enroscava nas pequenas pedrinhas e eu tossia poeira, não da vermelha, a do meu cigarro que não sabe parar apagado.

Eu finjo também que penso, quando na verdade eu bem mais que desejo, a sustentabilidade das palavras, não me refiro a estruturas espirituais, de ética ou moral. Preciso que cada palavra que escrevo se transforme em roupa, comida, o recibo do meu pagamento do aluguel de fim de mês.

Se quase todos que dormem com as letras, as engolem, mastigam até o que seria impossível ali consumir, sempre encontram a idéia genial, por que diabos eu também não posso tê-la?

Se for esforço que me falta eu corro então mais ainda, por que preciso sobreviver das loucuras que planejo, preciso colocá-las todas no papel e faturar alguma coisa disso.

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[Ouvindo: White Lies - E.S.T]

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