Cisquinho

Postado por NaNa Caê quarta-feira, 15 de junho de 2011 09:56:00

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Sinto falta de estar cercada apenas pela família diariamente, ou seja, de ficar sozinha. Aquelas longas semanas em que eu tinha que suportar alunos da minha sala, eram apenas crianças, assim como eu, mas na minha cabeça eu sabia que já havia optado por ausentá-los, da minha vida, ou de algo além que ali poderia se prolongar. Não foi uma escolha minha, é claro, crianças não tem poder de decisão durante esses períodos.

Nunca acreditei naquela história ‘tal fulano é acanhado, já nasceu assim’. Ninguém nasce tímido, como poderíamos se já abrimos os olhos, ali pelados, com alguém metendo a mão em nossa bunda e enfiando um pequeno cano pelo nariz? Não sei, talvez esse momento que defina as pessoas, algumas se calam, continuam se esquivando da vida, encolhendo, outras se esgoelam, não são tão frágeis.

Prefiro as pequenas, que tentam se esconder na palma da mão do doutor e talvez porque eu nunca tenha gostado de gritos, em minha casa não era permitido falar acima dos decibéis aceitáveis, estes sempre decididos por minha mãe, não me pergunte como ela os media, ainda tenta controlar.

Trago ainda algumas posses da minha infância, mas o principal é o lago cheio de sapos engolidos que escondo em meu estômago, digo que é alergia, a sal, tempero muito forte, mas no fundo, eu sei que não. Como sou podre por dentro, nem um pássaro azul, até aquele bêbado mulherengo escondia um no peito, deixando o seu ‘blue bird’ sair apenas a noite e eu aqui, procurando insetos. E qualquer autor que eu leia me influencia, qualquer beijo nunca dado seu.

‘Mãe, segunda vou a tarde ao zoológico com o colégio ta?’; ‘não, amanhã mesmo você já viaja com a sua avó, precisa esfriar a cabeça, lá por aquelas bandas do sul, aproveita e vê se ela consegue de uma vez por todas acabar com esses seus piolhos’; e eu então voltava um mês depois quase careca, parecendo um gatinho assustado que foi ao petshop e o tosaram, porque estava com sarna e gatos não gostam de perder seus pêlos, qual seria a diversão na hora de se lamber? Teria minha língua que começar a procurar corpos, que não eram podados, como o meu? Aprendi com o tempo, a perder os cabelos, disfarçar algumas entradas na cabeça, característica tão masculina insistia minha mãe. Arranco meus pêlos semanalmente, fantasio que o motivo disso é satisfazer alguém, pro sexo deslizar melhor.

Certa vez em Salvador, em um mothorhome apertado, enquanto tomava banho de copinho-inox; ‘vó, esquenta água no fogão, a areia está criando uma segunda pele no meu coro cabeludo, acho que é hora de eu me lavar’; enchia copo por copo daquela água quente, fervendo sem que houvesse fogo no piso do banheiro, presa dentro do balde. E enquanto ela escorria por minha cabeça, aqueles fios ficavam loucos, se mexiam como se cada gota que caísse no chão fizesse um som diferente, formando alguma canção dançante, talvez Cash, cantando dentro de uma prisão.

Passei a Gilette, caíram primeiro fiapos, depois nem me lembro por fim o que mais, talvez a orelha, os olhos, já que não enxergo direito, me resta apenas um pouco da audição. E imediatamente eles dançavam pelo meu corpo, escorrendo, sendo levados pela correnteza que surgia por minha pele, fio por fio morrendo no ralo. Assim nasceram minhas duas entradas. Elas nunca mais cresceram completamente. Digo que é algum problema genético, como poderia me justificar com a beleza de um country quase gospel entre meus pés?

Sobre a falta que sinto, ela sempre passa rápido, mas realmente me contraria não sofrer mais sozinha no quarto durante longos finais de semana. Os dias no presente agora parecem que sempre serão mais curtos, os sábados e domingos tomados por algum trabalho. Não há tempo para sofrer como antigamente. E quando choro após assistir tomates verdes fritos, se preocupam, cobram alegria, já que tudo está parcialmente bem na minha vida.

Quero chorar por qualquer música ou história imbecil, sem haver a necessidade de desgraças para se contar. Deixe-as apenas na minha cabeça, não preciso mais de pessimismos no meu dia-a-dia. O que quero às vezes é ser apenas massa, inculta, burrice emparelhada com algum pesar inventado.

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[Ouvindo- The Dead Weather - Bone House]

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Asfalto-Piscina

Postado por NaNa Caê segunda-feira, 6 de junho de 2011 21:14:00

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Arranco pedaços da minha pele como se eles não precisassem de mim, em poucas horas começarão a se decompor no chão. Arranco tanta gente, roupas, tecidos velhos costurados com linha de anzol, puxo com firmeza os braços que não me interessam mais, debaixo de sol, chuva ou tempestades em copo d’água. À noite finjo que durmo, fecho os olhos, deixo que escorram todas as lágrimas criadas durante o passar do dia. Quando acordo, torço meu travesseiro em um bule, das lágrimas faço meu café, não te ofereço, nunca, até nisso sou egoísta, mesmo tendo sido você quem me fez chorar. Compro amendoins e cocadas pra te suprir daqueles vários outros modos que não consigo, não sei, mas acho que oferecendo comida e dinheiro, eu possa melhorar no que sou. E eu me contentaria apenas em pensar, não conversar com ninguém, exceto com você, contar o que sempre fica girando na minha cabeça, me deixando tonta, fazendo vomitar naquelas ruas tão limpas, asfalto feito de azulejo de piscina, em que deito, brinco de me afogar, enquanto engulo alguns litros de piche, azul.

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[Ouvindo: Chairlift - Planet Health]

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